Lembro-me de minha avó, num tempo que não era tempo, numa noite iluminada de pirilampos, o som da pedra contra pedra dilacerando o milho.
Da cozinha vinha aquele cheiro mágico de um incenso único, o eucalipto e a esteva a ficarem rubros na lareira e sobre eles o tacho de cobre, negro como a noite que os pirilampos iluminavam, onde ondeava o xarém, que não me alimentava tanto quanto as suas histórias.
À porta de casa a rosa mosqueta, perfumando os dias agrestes, tão branca quanto a imaculada cal que tingia as paredes de taipa. No interior, a cal ganhava cor, confundia-se com o fumo, era cor-de-vinho, amarelo torrado e tinha um cheiro e sabor como o de frutos que já não há.
As videiras sobre a janela e os narcisos em frente davam-lhe um ar de tragédia grega.
Ainda lá estão as pedras da calçada, que foram ganhando forma sob os nossos passos e onde tantas vezes foi derramado sal (seria do mar ou das nossas lágrimas?) para impedir as ervas de crescer.
Tudo lá está, apenas nós não.
4 comentários:
Quando comecei a ler a tuas palavras veio-me á ideia um livro que ambas conhecemos: como água para chocolate.
o certo é que as coisas materiais ficam, mas as pessoas só permanecem na nossa recordação. e enquanto a recordação subsistir assim essa pessoa sobrevive. e quem sabe se realmente não foram as nossas lágrimas que secaram as ervas da calçada.
obrigada pelo comentário. mas fiquei a pensar: dissseste que o caminho de casa de um amigo até á nossa é o mesmo que de nossa casa até á do amigo. Não concordo totalmente: posso até saber ocaminho para a casa de um amigo, mas o problemas é quanod esse amigo esquece e ignora o caminho para a nossa.
bjs
Bem, comentando o teu post, deu-me vontade de chorar porque não tive uma avó que me contasse histórias, mas tive uma infância de histórias de recordações de tanta coisa boa. Adorei este texto. Espero que continues a escrever assim, trazendo sempre à nossa memória as coisas boas que a nossa vida teve.
Um bjinho
F.M.
Nós estamos lá com as imagens que o tal tempo que não era tempo nos gravou na memória.
Adorei as tuas palavras, mas vindo de ti, não se podia esperar outra coisa. tudo isto nos traz boas memórias, a nossa infancia de um tempo que passou, mas que nao se apagou. Essas recordações mantém-se com o passar do tempo.
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